Anotações de um observador:

"Era como se a observassem. Todos os movimentos, pensamentos, olhares evasivos, mentiras rotineiras... E tudo isso a enfurecia. Ser vista como uma atração pitoresca e simplismente estar sozinha. Sempre."
Na verdade, ela estava certa em sentir-se assim, afinal, esse era meu passatempo preferido, observar. É, deliciar-me com suas pequenas ações e o jeito errôneo como se esgueiravam pela vida. De certa forma é divertido! Observar pessoas à minha volta, imaginar os rumos que tomam quando já alcançam fora de minha vista.
Neste momento ela passa por mim naquela conhecida calçada em que me encontro sentado, decidindo o próximo passo dela. Não, não sei seu nome e prefiro nem saber; não quero conhecê-la de mão beijada, quero decifrá-la, asim como fiz com todos os outros. Acompanho seus passos trôpegos e solitos rumo ao trabalho nem um pouco exitante, ao contrário, é um trabalho robótico e sem graça: atende em uma lotérica à uns quarteirões dali.
Estava afoita, passando a mão pelos cabelos , murmurando preocupações. Em particular, gostava daquela solidão contagiante que transbordava de seus olhos vazios e doces e todo aquele mistério gostoso que a envolve.
Estamos em um inverno seco e ensolarado. Ela não põe botas; com sua estatura mediana, as saias até lhe caem bem. Nesta tarde ela veste uma saia escura parecida com todas as outras, marcada na cintura, solta após os quadris finos, quase rodada, uma meia-calça preta acompanhada por um sapado de salto baixo da mesma cor. Diferente dos tons escuros das roupas, seu casaco vermelho contrasta com sua palidez e boca de botão, róseo perdido na face leitosa.
Senti seu perfume, era terrivelmente doce. Seria uma tentativa de chamar atenção? Estava além de sua capacidade ter isso. É por isso que hoje seus passos estão daquele jeito, as mãos encontram os cabelos a murmurar preocupações? Chamar atenção; ela tinha medo diso, proximidade... ligação; São palavras aversivas à ela. Não há sentido ir contra sua natureza, querida. Não há.