quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Fenestra - 1ª parte


Fresta:
1. Qualquer abertura estreita que permita a passagem de luz e ar; fenda, fisga, frincha.




“Eu estou aqui!” desejava gritar além dos olhos e mente o ser que observava como se estivesse em um retrato macabro pela fresta da parede deixada por capricho na casa daquela família tão perturbada. Quanto tempo mais iria vê-los sem confundi-los com seus próprios familiares que há essas horas deveriam estar dando falta de si, afinal, saíra para a conhecida cafeteria, pegar o cappuccino de sempre que acompanhava suas tardes... Perguntou-se também naquele mesmo instante em que via o filho dos donos da casa folhear as páginas em branco de um caderno, escrevendo do típico jeito torto de quem quer fugir uma despedida amarga e puro alívio, de quem chora a distância passada, imposta pela ignorância, tornar-se mais densa e longa agora que teria que abandonar tudo, onde estaria seu café e biscoitos? O vazio tomou conta e lembrou-se que nem a fome lhe fazia companhia.  Após sentir a escuridão abraçar-lhe depois da violência sofrida tudo se tornou um borrão e quando acordara vira-se dentro de um plástico que tomava conta de todo o seu corpo, como um embrulho para a viagem e a boca selada, os olhos fixos de pânico vendo o mundo fechar-se a sua volta.

Ele olhou para os lados, afinal sentia-se observado toda a vez que ia a peça, e secando as lagrimas que prometeu não mais derramar, ajeitou a mochila no braço e confiante saiu com o pé direito. Deixando para trás aquele passado e o perfume dos cabelos escuros e compridos invadirem a casa até a fresta onde a fragrância dissipou-se sobreposta à outra nada agradável.
O ser agradecia por cada vez que abriam mesmo que minimamente a porta de entrada, pois só assim poderia ver algo mais além daquela escuridão.
Depois um tempo passado e não computado, mais um integrante daquela família entrou pela porta, o mais novo dos filhos do casal com os mesmo cabelos compridos e pele doente do irmão. O garoto no auge da inocência dos seus sete anos grudou de imediato os olhos na figura do pai que os encarava com severidade e raiva tendo em mãos o papel rabiscado com letras que mesmo que a criança soubesse ler não consegui ver dali, pois gritos se sobrepuseram a sua curiosidade atípica.

“Porque ele foi embora Lu-” foi tudo o que pode ouvir até fechar a porta do quarto em um estrondo. Correu os olhos nas marcas do chão e mesmo sem ter lido as possíveis palavras rudes que o irmão deixou, no seu íntimo entendeu que estava mais do que na hora de se livrar daquilo, e olhando para o céu já estrelado indagou aos astros se não teria uma forma de tirá-lo de lá também.
“POR QUE LUDMILA?” o homem magro de olhos tristes e castanhos claros retornava a perguntar enquanto quebrava mais um jogo de copos que se intrometia em sua frente.
O ser ouvia com nitidez mais uma briga que ocorria na casa. Sentia seus ouvidos tremerem com os decibéis que a voz alta soava, passos de alguém que anda sem sair do lugar, em círculos também acompanhavam com o som molhado do sangue que escorria dos pés descalços sobre o tapete enfeitado com cacos de vidro. A mulher do outro lado da sala se retorcia incerta em parar com aquilo, mas a pancada dessa vez fora muito forte e todos ali se faziam perguntas, como se por brincadeira tivessem perdido algo ao mesmo tempo.
Kim ignorou a dor, só ela o acalmava e subiu as escadas, suas questões tinham que ser respondidas e nem que a dor a fizesse.  Não tinha o porquê, sempre quis proteger a todos que amava, mas todos iam e nunca voltavam. Por isso queria poder pregá-los no chão para nunca mais saírem.
Podia-se ouvir da fresta os corações batendo, como um martelo.


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